Uma das frases mais marcantes em minha vida é aquela descrita no Salmo 139, onde o “poeta” Deus diz que Ele foi me tecendo fio a fio, ponto a ponto: ossos, fios de cabelo, retina, milimétricas células e neurônios, além da exclusiva marca digital. Isso mostra a minha complexidade e exclusividade. Eu sou um ser único.
Essa minha exclusividade também é vivenciada na dor e no tempo. Ninguém vive o meu tempo ou a minha dor, as pessoas sabem a respeito das minhas dores, mas não conhecem a essência delas.
Algumas vezes sou julgado por causa das minhas dores. Quantas vezes as pessoas disseram: “Pare de sofrer por isso” ou “Tanta gente sofrendo nos hospitais e você aí chorando” ou “Seca estas lágrimas aí e viva a vida”. Sim, as pessoas não fazem por mal, elas tentam consolar. É muito ruim ver alguém chorar, ainda mais por amores perdidos. Essa é uma dor complicada de se entender. Mas dor é exclusiva, é única e, se eu não vivê-la, o crescimento é interrompido.
As dores são exclusivas. Podem ser abrandadas com abraços, mas precisam ser vividas.
Em um texto passado, eu falei sobre o tempo, sobre a beleza de chorar por alguém que partiu. Esse é um sentimento humano. As lágrimas têm a capacidade de desvendar a humanidade. Cada ser humano tem o seu tempo. Eu posso navegar na superfície do tempo do outro, mas nunca terei a destreza de mergulhar na sua complexidade.
Existe um tempo certo para todas as coisas. Faço aqui uma ressalva: é humano chorar, mas existe um tempo certo para isso. Depois é preciso viver. A vida é bela, é uma arte. Ela é um livro onde as páginas mudam, os capítulos terminam, mas eu nunca posso parar a leitura, se eu parar ou se alguém fizer a leitura por mim, nunca entenderei a sua complexidade e as suas lições que me trarão maturidade.
Cada dor tem um tempo certo para cicatrizar. Essa individualidade precisa ser respeitada, nunca julgada ou criticada. Nunca posso fazer isso! O que posso fazer? Orar, abraçar, sair de mãos dadas, oferecer o ombro, amar, sorrir, distribuir flores, mas nunca julgar ou violentar a individualidade da dor de outro alguém.
A sabedoria da vida é esta: chorar o tempo certo! Depois é preciso viver. Dores são exclusivas, nunca devo culpar os outros por elas. Ainda que sejam causadas por outros, elas são minhas e precisam ser vividas por mim. Isso se chama processo de maturidade e crescimento individual. A dor vai passar.
Para compreender a dor é preciso aliviar o peso que ela provoca, não escondendo-a, mas entendendo que ela produz maturidade, conhecimento individual e profundo do exímio Tecelão que me criou para esta vida. Somente Ele conhece a profundidade e complexidade da minha dor, e, por incrível que pareça, Ele não me livra da dor, mas na dor Ele Se revela como a maior expressão de amor.
A dor fez com que Jó dissesse: “Sabe, Deus, um dia eu ouvi falar do Senhor, mas foi através da dor que eu pude Te admirar com os meus próprios olhos” (Jó 42.5 – com alguns grifos meus). A dor e o tempo são individuais, ninguém pode viver ou sequestrar isso de alguém.
Termino com as palavras de Fernando Pessoa ao falar sobre o tempo da travessia nesta vida, um tempo que também é revestido pelas dores:
“É o tempo da travessia: e, se não ousarmos fazê-la, teremos ficado, para sempre, à margem de nós mesmos”.